Páginas

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Clipping 55 - O Milho e a Festa de São João

Milho do São João

Milho é planta nativa das Américas. Mas não tinha, para o índio brasileiro, a importância que lhe davam os das Américas Central e do Norte - para quem o "maiz" era base de toda alimentação. Maizena (o mais conhecido dos amidos de milho) vem de "maiz", claro. Esse milho, na cultura de nossos índios, foi sempre alimento de passatempo. De brincadeira. Se divertiam assando espigas, nas fogueiras; e com o barulho do milho bem verde estalando no borralho (braseiro). Ao grão que estalava chamavam "popoka" (pele estalando). O mesmo princípio seria descoberto por acaso bem depois, em meados do séc. XIX, pelo fazendeiro americano Olmested Ferrier - ao observar que um tipo especial de milho, com mais água em seus grãos, estourava em contato com o fogo. A esse grão chamou de "pop (onomatopéia de estalar) corn (grão)". E ficou rico.

Portugueses e espanhóis não deram a esse milho maior importância. Por pensar, a princípio, se tratar do "sorgo" - alimento considerado, na Europa, de segunda categoria. Era destinado, então, apenas a animais e escravos. "Plantam os portugueses este milho para mantença dos cavalos, e criação das galinhas e cabras, ovelhas e porcos; e aos negros de Guiné...", segundo relato de Gabriel Soares de Souza. Mas a partir dele, juntado outros ingredientes (aqueles que lhes eram permitidos usar), e usando técnicas que conheciam em suas terras distantes (especialmente a de cozinhar em leite de coco), esses escravos foram criando pratos novos - angu, canjica, cuscuz, mungunzá, pamonha. Um cardápio tão saboroso que logo foi incorporado pela casa-grande.

Cada um desses pratos tem sua história. Angu tem origem na receita do "infundi" africano - por lá feito com caldo de peixe ou miúdos de boi, e engrossado com farinha de sorgo. Aqui passou a usar só leite de coco, farinha de milho, sal ou açúcar - que, desde aqueles tempos, o prato era indiferentemente salgado ou doce. A palavra vem do tupi "angau".

Mungunzá vem do africano "mu'kunza" (milho cozido) - um prato que, por ter sustança, era sempre servido às pessoas que passavam a noite velando enterros. Essa espécie de sopa doce se faz com milho branco cozido em água, leite de coco, açúcar, erva-doce, e mais canela ou cravo. No sul do Brasil, é mais conhecido por canjica.

Já a verdadeira Canjica nordestina (do africano "kanjica") é mistura de milho não muito verde, leite de coco, sal, açúcar e manteiga. O creme grosso é colocado em travessa e polvilhado de canela - uma técnica portuguesa. No sul, em curiosa dança de troca de nomes, essa canjica é conhecida por "curau"

Pamonha vem do "pamuña" indígena. Mas os escravos transformaram esse creme grosso e sem graça em prato muito especial. Juntando leite de coco, açúcar e sal. E assando esse creme em folhas de bananeira. Depois foi sendo aperfeiçoado, passando a ser cozido na palha do próprio milho.

Já cuscuz tem origem moura, sendo bem conhecido de portugueses e africanos, em suas terras. Aqui foi tomando nosso jeito. Da receita original, conservamos só o modo de cozinhar no vapor. Farinha de sorgo ou de arroz, substituímos por farinha de milho. Juntamos leite de coco e açúcar. O prato enraizou-se tanto em nossa cultura, que é, ainda hoje, prato obrigatório em todas as mesas nordestinas. E foi assim que, aos poucos, esse milho acabou sendo apreciado também pelo colonizador. Sobretudo quando perceberam que, diferente do sorgo, era mais macio, mais doce e muitíssimo mais saboroso. Só então passaram a desenvolver suas técnicas de plantio. Preferencialmente semeando no dia de São José (19 de março), quando quase sempre chove. O que permite que esteja no ponto de ser "quebrado", às vésperas do dia de outro santo importante - São João. Ou de São Pedro, primeiro papa da Igreja. Período em que, segundo a tradição, também sempre chove. Culinária e religião juntas, na alma e na boca do povo brasileiro.

RECEITA:

PAMONHA

INGREDIENTES:

- 20 espigas de milho verde

- 2 cocos

- 1 litro de água

- 2 xícaras de açúcar

- 1 colher de sopa de manteiga

- Sal a gosto

PREPARO:

- Lave as espigas e ferva ligeiramente. Deixe esfriar e reserve.

- Raspe os cocos. Junte metade da água e bata no liquidificador, até consegui um leite grosso do coco. Reserve.

- Acrescente ao bagaço dos cocos a outra metade da água e bata novamente no liquidificador. Reserve esse leite de coco, agora ralo.

- Rale as espigas. Misture a massa de milho com o leite grosso de coco. Passe três vezes em peneira fina. Junte, aos poucos, o leite ralo de coco, até que a mistura tenha consistência de mingau ralo. Acrescente açúcar, sal e manteiga derretida.

- Enrole a palha do milho. Amarre uma das extremidades com tirinhas feitas da própria palha. Com a mistura encha a palha, e feche a outra extremidade com as mesmas tirinhas.

- Leve ao fogo, em água fervente, por mais ou menos uma hora.

- Retire as pamonhas do fogo e deixe sobre uma peneira, para escorrer toda a água.

Fontes:

http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI1691905-EI6614,00.html acessado em 26/05/2010

Lectícia Cavalcanti

Lectícia Cavalcanti coordena o caderno Sabores da Folha de Pernambuco, escreve na Revista Continente Multicultural e no site pe.360graus.

Nenhum comentário:

Postar um comentário